Imagem ou palavra, poesia ou prosa, mel ou fel. A cada semana um tema para refletir, uma idéia para desenvolver, um pretexto para criar. Contribuições são desejadas e bem-vindas! Envie sua colaboração para o e-mail pitacosdepiteco@gmail.com!

segunda-feira, maio 07, 2007

O destino de Seu Lula

De Joao Paulo Magalhaes

Vindo de uma família tradicional do interior pernambucano, Seu Lula conheceu desde cedo o seu futuro quando seu velho avô, em mais uma de suas cavalgadas pela vasta propriedade disse-lhe que "até onde seus pequenos olhos enxergavam, era tudo dele" e isto incluía terras, plantações, gado e tudo mais, até mesmo as pessoas que ali viviam e para ele trabalhavam. Cresceu com isso na cabeça... Sem muitos limites ou vontades não satisfeitas.
Seu Lula, naquela época ainda Lulinha, cresceu nesse meio. Era moleque esperto e nunca se deteve às antigas regras de nobreza da família. Desde essa época já trazia ares de arrogância e autoritarismo mesmo em ingênuas brincadeiras com os filhos dos empregados. Cedo aprendeu a dar ordens e a negociar. Com a morte dos avôs e uma grande quantidade de dívidas em bancos, não entendia a burrice do pai com os negócios. Sabido que era, percebia a decadência do seu mundo. Foi obrigado a ir para a capital antes dos quinze, mesmo a contragosto. Nunca se deu com os estudos. Voltou antes de conseguir entrar para a faculdade de mãos dadas com a filha do desembargador que havia embuchado e trazia fugida para morar com ele na fazenda. Queria era trabalhar... Levantar novamente a fazenda e recuperar o que julgava ter sido perdido pelos pais.
Seus pais, descendentes diretos de antigos coronéis, ainda viveram na infância os resquícios de uma época áurea quando a cana-de-açúcar era o ouro do nordeste. Nunca passaram por necessidades, ao contrário disto, desde cedo tiveram do bom e do melhor. Foram criados como príncipes sem nem se quer pisar no chão de terra batida na frente da já velha casa grande. Estudaram na capital, se formaram advogado e psicóloga antes de terem seu casamento arranjado pelos pais, os avôs do Seu Lula. Voltaram e decidiram unificar as fazendas com planos de expansão e até de globalização, palavra nova à época.
Quando da sua volta seus pais já haviam perdido mais da metade das terras para os bancos e o velho engenho estava de fogo morto já há seis anos depois de definhar por muito tempo. Nunca vira o engenho a toda, mas ainda recordava a noite que se fazia dia no ritmo do estalar da cana queimando, a fuligem passada no rosto para assustar os meninos menores e o alarme do engenho no outro dia bem cedo indicando o início da época da moagem. Tratou logo de se inteirar da situação. Assumiu o controle da velha fazenda e mudou de rumo. O gado leiteiro já aparecia como melhor opção entre a mata e o agreste. O já cansado pai nunca entendeu mesmo de negócios e apoiou o filho, preferia passar os dias entre os livros e viagens à Europa gastando todos os recursos da família. Sempre achou que tinha nascido no lugar errado.
Lula ergueu novamente a fazenda com pulso forte. Tinha o sonho de ver o engenho voltar a moer. Reformou a velha casa. Teve filhos, carros novos e até importados. Muito gado. Comprou o pedaço da fazenda que os pais haviam perdido. Mandou os pais morarem no velho continente conforme desejavam. A esposa cuidava da casa e dos filhos. Nunca a viu com qualquer forma de carinho. Construiu o seu mundo e reinava nele. Aliás, como ele mesmo dizia, era o “coronel do seu mundo” e teve tudo o que desejou ter.
O tempo foi passando e o gado minguando. Os filhos se casaram e foram morar na cidade. Nunca tiveram jeito no trato com o gado nem com os negócios. As sucessivas secas acabavam com tudo. Cada uma delas fazia o velho Lula vender metade do gado para poder alimentar a outra metade. Também contraiu dívidas com os bancos. Morando sozinho na velha casa, depois da morte da esposa, tudo refletia o seu sofrimento. Os antigos criados o ajudavam no que podiam por pura pena diante do esquecimento da família.
A última vez que eu o vi, antigo herói da minha infância, ele ia montado em seu cavalo branco, terno azul marinho, ralos cabelos brancos bem penteados sob o velho chapéu de massa, botas engraxadas sustentavam as brilhantes esporas, chicote à mão esquerda, pose de rei. Soube depois que estava indo ao banco depois de ter sido chamado com urgência. Voltou ao cair da noite, trancou a casa grande como se não quisesse que ninguém mais pisasse ali. Via talvez o fim de sua linhagem. Tinha às mãos apenas a velha espingarda nunca usada e uma antiga foto da família. Dirigiu-se para a cocheira. Tinha a companhia de poucas e magras reses, únicas testemunhas. Foi encontrado no dia seguinte deitado nesta mesma cocheira abraçado ao porta-retrato com um tiro no peito. As reses lambiam o sangue que saia direto do ferimento como que para apaziguar a sua sede e o sofrimento de seu dono... Havia descoberto que perdera o restante de suas propriedades e economias.

domingo, maio 06, 2007

Por Toda a Minha Vida

De Marcos Artur Gonçalves

Faz três anos que aconteceu. Maria Eduarda não exibe nenhum sinal de sofrimento cotidiano, mas os parentes e amigos têm o assunto como proibido, e não o tratam diante dela de forma alguma. A polícia há muito não a procura, e a família de João Gustavo, bastante presente a princípio, afastou-se também, pode-se dizer que com um sentimento de alívio.

João Gustavo desapareceu. Faltavam cerca de dois meses para o casamento. Nunca o encontraram, nem sinal de seu corpo, ou de seu automóvel. Nada. Meses de procura incessante das famílias, pressão sobre a polícia daqui e de outros estados, apelos em jornais, até mesmo programas de televisão. Tudo inútil. João e Maria conheciam-se desde os tempos de segundo grau em Boa Viagem. Freqüentavam juntos a praia. Começaram o namoro quase inevitavelmente, nos encontros com a turma, aos fins de semana. Terminaram a faculdade simultaneamente, ele, cientista de computação, ela, advogada. A jovem fez um concurso público assim que se formou. O rapaz trabalhava numa empresa de informática em Recife, e havia uns meses que também estudava à noite para prestar concurso. A vida parecia sorrir para eles, definida, previsível, segura. Embora jovens, acumulavam já oito anos juntos, entre namoro e noivado. Juntos compraram o apartamento de dois quartos no Espinheiro, que ela continuou pagando e estava agora alugado. Perto que estavam do grande dia, tudo parecia acertado e arranjado. Até a música com que ela entraria na igreja, sugestão da mãe dele: “Eu Sei que Vou te Amar”, de Tom e Vinícius. O futuro lar, mobiliado. Os presentes, em grande parte recebidos. Tudo foi desfeito, tudo foi devolvido: Máquina de lavar, mobília, cama de casal, freezer, pacote de viagem para Miami. Ficou a dor insensata, o medo, a revolta surda e a vergonha, principalmente a vergonha. Nunca houve pedido de resgate, nenhuma comunicação, nada. Apenas boatos estranhos e desencontrados que chegavam de tempos em tempos. Falação maldosa de gente despeitada. Futricas de comadres.
Eduarda evitava ao máximo pensar no passado, mas como não pensar? Esse passado era seu dia-a-dia, sua rotina. Principalmente à noite, após apagar as luzes, ela tardava em dormir, cismando. Reconstituía o último encontro, passo por passo, buscando um indício, um sinal, um prenúncio, uma explicação. Qualquer momento ou silêncio ou gesto que ela até então tivesse ignorado e que pudesse trazer algum sentido à grande tragédia que mudou e determinou sua vida.

Os noivos jantavam em casa dos pais dela, todas as quartas-feiras. Como sempre fazia, na última noite ele a apanhou à porta do edifício onde ela trabalhava. Chegava, parava o carro, ligava do celular e deixava-o tocar duas vezes, ela descia pelo elevador. O processo não tomava mais que cinco minutos, mas a avenida era movimentada e era impossível não estorvar o trânsito e ouvir muitas buzinadas e alguns xingamentos. A noiva chegava, rápida, abria a porta e pulava para o assento. Perdiam ainda alguns minutos, às vezes mais que o tempo do processo anterior, para entrar novamente no fluxo do tráfego. Eduarda tinha um pavor desmesurado da violência da cidade. Naquela derradeira vez, recordava, puxou o trinco e encontrou-o travado. Gustavo era um tanto avoado, distraído, lento. Era comum aquele esquecimento. Ela ralhou com ele, como fazia sempre. “Você sabe que eu morro de medo, deixe a porta destravada pra que eu possa entrar rápido. Essa avenida é cheia de trombadinhas.” Ele desculpou-se. Ela esqueceu o assunto. Principiou a falar sobre as tramas da repartição. Foram assim durante o trajeto. Ela contando, ele assentindo com a cabeça enquanto dirigia.
No apartamento amplo onde os pais dela moravam com as três filhas, o casal entrou em silêncio. O chefe da casa assistia ao jornal das oito, instalado na sua poltrona habitual. A mãe cuidava do jantar. As irmãs, em seus quartos, preparavam-se para sair. Maria Eduarda beijou o pai na testa, pediu-lhe a bênção, que ele deu com alegria, mas evitando desviar os olhos da previsão de tempo na grande São Paulo, mostrada naquele instante por um jovem de terno cinza. João cumprimentou-o, sentando no sofá do outro lado da sala. Saudou em voz alta a sogra, que gritou alguma coisa ininteligível em resposta.

À mesa, as irmãs conversavam sobre um novo bar aberto uns quinze dias antes. A mãe trouxe os últimos pratos, com ajuda da empregada, uma garota de uns dezessete anos trazida do interior havia pouco. Estando tudo pronto, a boa senhora dispensou a garota e sentou-se na extremidade à esquerda de João. No extremo oposto estava o marido. Começaram a refeição. A noiva, animada com a descrição do novo estabelecimento, determinou que o casal iria conhecê-lo no final de semana seguinte. O noivo emitiu um desnecessário grunhido de concordância. A mãe, como de costume, iniciou uma série de considerações sobre o perigo de saírem à noite. Pôs-se a relatar o assalto sofrido pelo filho de uma amiga. O homem mais velho pontuava as palavras dela, a intervalos, com um “isso mesmo” ou “é verdade.” As filhas já haviam mudado de assunto e iniciado uma conversa paralela. Durante alguns minutos João Gustavo ficou observando a mulher, meio constrangido. As palavras maternas converteram-se num monólogo acompanhado penosamente pelos dois homens. Então, repentinamente a mãe faz uma pausa, toma do meio uma frase que a filha caçula acabara de dizer, e integra-se na conversa das meninas, que prossegue. O pai, aliviado pelo frescor do esquecimento cheio de atenções das mulheres, saboreia cada gota dos dois copos que são sua ração diária de vinho, permitido apenas à hora do jantar. O noivo distrai-se, observando-o. O sogro era um engenheiro civil aposentado da Petrobrás. Sofrera um enfarte anos antes. Até então fora uma criatura laboriosa, tensa, apressada, deveras sisuda, trabalhando arduamente pelo conforto e segurança da família. A doença e as duas pontes de safena que se seguiram impuseram-lhe a aposentadoria prematura. Caminhava diariamente, lia seus jornais e revistas semanais, e assistia à televisão. João Gustavo sentia pena dele. Ao mesmo tempo sentia inveja. Pensava em seu apartamento amplo, seu condomínio em Gravatá, seu carro luxuoso, sua mulher dedicada, suas filhas lindas, até mesmo seu insuportável poodle que adorava latir e morder as pernas de suas calças, e considerava quanto seria difícil construir tudo aquilo. Uma vida toda empregada em tal missão, e seus netos, chegando aos vinte anos, mal se lembrariam dele. Era uma grande pressão. Algo nisso tudo o incomodava, e ele não sabia e não conseguia entender o que era. Ao fim do jantar, assistiram a mais tevê, na sala de estar. Agora Maria Eduarda falava de seus planos para prestar novo concurso. Sonhava ser juíza. Esse assunto incomodava o jovem. Preparava-se para ser funcionário público, mas sem convicção. Recebera um convite para fazer mestrado, e sentia-se dividido. Ainda não contara à futura esposa, receando sua reação. De fato, vários amigos seus estavam concluindo ou haviam concluído uma pós-graduação, e ele não via que efeitos positivos isso tivesse tido na vida de nenhum deles. Em geral recebiam um pequeno aumento de salário e depois prosseguiam, fazendo as mesmas coisas que faziam antes. Por outro lado, era mais um atrativo que possuíam para o mercado, e pensando nisso temia por seu próprio futuro. Sentiu-se cansado de sentir medo. Medo de não ter emprego, medo de ficar só, medo de envelhecer, medo de fracassar. Mas o pior daquelas conversas no final da noite era que sempre chegava um momento em que noiva, sogro e sogra se uniam para instá-lo, “estimulá-lo” a abraçar o serviço público. Encarava aquilo como verdadeira coação e ficava compungido, intimidado pela má imagem que, pressentia, as pessoas naquela casa tinham dele. Pronto, começou! Deixou os argumentos rotineiros serem desfiados, concordando com todos, e assim que pôde ergueu-se, fingindo um gesto casual. Mas a noiva já conhecia esses sinais. Ergueu-se também. João olhou o relógio de pulso e disse “Bem, é tarde. Já vou indo.” Despediu-se dos sogros e deixou um beijo para as cunhadas, que haviam saído. A noiva o acompanhou. À porta, beijaram-se, como sempre faziam, e ela esperou que o elevador chegasse. A última imagem que tinha do noivo era essa: Entrando na cabine de aço, com o semblante indefinível, e mandando-lhe um beijo através do ar, com as pontas dos dedos.

Maria Eduarda não lembrava de todos esses detalhes, naturalmente. Por mais que tentasse, por mais que cavoucasse, a lembrança dessa última noite não lhe ajudava a adivinhar o destino do noivo, o que lhe sucedera naquela quarta-feira, depois que a porta automática fechou-se atrás dele.

Uma amiga de Maria Eduarda contou-lhe uma estória que ela interpretou como mais uma infundada e maldosa mentira. O fato é que não conseguia admitir nem para si mesma que preferia pensar no noivo morto a aceitar aquela versão fantasiosa. Segundo a amiga, João Gustavo teria sido visto por uma outra pessoa, um conhecido do casal, na noite de seu desaparecimento. O homem seguia para Natal, e ainda que não o visse com freqüência e se conhecessem apenas formalmente, estava seguro de ter sido ultrapassado por João Gustavo, logo após João Pessoa. Contou que embora a estrada estivesse bem deserta e dirigisse rápido, quase a cento e sessenta quilômetros por hora, o carro de João o ultrapassou e rapidamente deixou-o para trás. Disse que poderia jurar que o noivo nem notara a ultrapassagem. A lua estava cheia e o céu claro, e era o céu que João olhava, com o rosto ligeiramente virado para fora da janela. Tinha um sorriso, sereno sorriso nos lábios, e parecia, efetivamente, feliz. O sujeito afirmava ter certeza, porque tentara acompanhá-lo para fazer-lhe um aceno, trocar um cumprimento. Tocou sua buzina para chamá-lo, mas não logrou atrair sua atenção.

Eventualmente, Maria Eduarda voltou a namorar, casou-se, teve filhos, tornou-se juíza, teve netos. Muitos anos depois, já idosa, ela ainda tinha sonhos, sonhos em que via o ex-noivo, João Gustavo, voando a toda velocidade pela BR-101, rumo Norte do Brasil, rumo do desconhecido, rumo de seu despertar, rumo de sua fuga. Então ela acordava, erguendo-se em silêncio, e ia até a janela de sua cobertura. Quando era noite de lua cheia, quedava-se quietamente debruçada no parapeito, e olhando as estrelas, via a imagem daquele sorriso.

sexta-feira, maio 04, 2007

Tema da semana (04/05/2007 - 11/05/2007)

"As coisas que possuis acabam te possuindo."
(Tyler Durden - Fight Club)

Semana encerrada (27/04/2007 - 04/05/2007)

"Amar a nossa falta mesma de amor" (Drummond)

*as imagens aqui contidas são gentilmente cedidas pela internet...

Uma nova e diferente história

De Joao Paulo Magalhães

"Faça o que eu digo, não faça o que eu faço." Já dizia meu velho e bom pai, violentando minha frágil honra infantil.

Mas ao menos tive meus 'verdadeiros' heróis... Falhos, as vezes covardes, no fundo pessoas normais... No entanto, somente a ilusão de sua 'divindade' bastava para mim que não reparava nestes pequenos detalhes (humanos). Tive sorte... Só agora me dou conta disto. Passava horas e horas perdido em meus sonhos "do que eu ia ser quando crescer"... Via-me um policial prendendo ladrões, um médico salvando vidas, um bombeiro apagando incêndios, um jogador de futebol fazendo gols, um engenheiro construindo coisas... E 'brincava' me imaginando um herói, apenas o meu herói talvez. E, mesmo não enxergando bem a humanidade dos meus heróis, mesmo com desejos não realizados, mesmo levando algumas pancadas da sempre presente realidade, tive o direito de sonhar e viver enquanto criança a minha infância.

Fui crescendo e as coisas mudando... E o mundo mudando. No jornal entre a das 7 e a das 8 não se fala outra coisa já há muito tempo, tanto que nem lembro quanto. Guerras, assaltos, tiros, assassinatos... Violência explícita pública e gratuita em horário nobre. Crianças crescendo nesse meio... Aprendendo com ele enquanto seus pobres pais nutrem a vã esperança de que seus filhos terão um 'futuro' diferente. Que futuro? Eles, os filhos, crescem correndo das balas em meio aos 'policiais' e 'bandidos' dessa nova e diferente história.

Crescem vendo o vizinho esperto cheio de ginga que leva e traz drogas... Também faz 'pequenos delitos' como exemplo do que sua esperteza pode trazer. Crescem vendo o amigo rico da família em seu carro importado e com belas mulheres... Admirando-o... Vendo também este mesmo amigo na capa do jornal, assassinado enquanto assaltava um banco. Crescem vendo o pai de um amigo de brincadeiras de rua lavar a farda do serviço escondido, sem entenderem como a roupa seca sem ir para o varal no quintal.

Nem bem crescem e também começam a interagir com isso tudo. A longe e distante escola já não interessa mais. Não ensina nada interessante para o mundo deles. A escola da vida ensina bem mais. Esquecem-se que são crianças. Têm suas pequenas e frágeis vidas usadas num jogo que nem se quer entendem. Têm armas nas mãos e balas no peito. Já não têm esperanças em um futuro que provavelmente nem chegará. E, enquanto burocratas perdem um tempo precioso perdidos entre a infância e a maioridade sem nem lembrar que esses tantos 'menores' nunca foram crianças, permanecemos atônitos, chocados com nossa dura realidade... Até quando?

Me Apaixonei por um Segundo

De Ramorim Coelho

“Como pode o presente, parar por um segundo sendo trocado pelo passado e pelo futuro, apenas com a esperança de um amor. Foi um livro, foi um filme, que num instante tudo passou. Veio a tona em minha mente e o amor ele deixou!”

Apaixonei-me novamente por um Segundo!
O mais lindo Segundo que vi
A mais triste abstração que há no aMAR
Ele veio como presente,
Me fez sorrir muito contente
Pouco o tive e se fez ausente
Num coração que agora vive a esperar
Como podes me trair
Parece que veio só para iludir
Um coração já tão cansado de se enganar
Deixa eu ser o teu aMAR
Prometo que dele tu sempre vais raiar
Com tuas luzes e a tua cor
Tu és o que muito fascina
Essencial a qualquer amor
Meu astro, meu único caminho
Minha estrela quente, tu és luz em minha vida
Eu te quero por apenas por mais um Segundo
Um segundo pra te aMAR!

Amor Mágico

De Ramorim Coelho

Amor mágico
Apaixonei-me pela mais linda ilusão
Sem perceber, tudo aconteceu
Mais um truque seu

Amor Trágico
Fez-me iludir, semeando uma outra paixão
Fazendo sorrir o meu coração

A flor irá crescer
Ficará tão linda que irá morrer
Quando o Amor disser,
Tudo é Ilusão!

quinta-feira, maio 03, 2007

Na Fraternidade Pastoral das Armas

De Marcos Artur Gonçalves

Filho de pedra e sal, neste lugar te abraço e te saúdo
Irmão de aço, carvão, lágrima e cal.
Venho de cruzar distância,
Sigo destino cristão, judaico, pagão
Aqui te abraço e logo, te abandono.
Segue teu destino de fogo e sangue.

Encontro-te mais adiante
Onde não há inocência possível
E já não te reconheço,
Lançarei contra ti os soldados e os cães
Ferirei tua carne com ferro e indiferença
E tu mesmo serás um cão.
Eu serei tua vítima e teu algoz
Na incompreensão mútua do nosso medo e ódio.

Não tenha lugar em mim a compaixão
Seja eu surdo a lógica, razão e sentimento
E que meus argumentos, como tenazes, me sufoquem,
Destruindo espaço, infância, vida.

De tudo isso ergue-se uma civilização:
Desperdício planejado, cotações, livre mercado controlado,
Navios negreiros, Gente gasta, viga e construção;
Guerra globalizada, Comércio, diplomatas,
Destruição em massa, patentes, marcas,
Fundamentalismo de tevê, ostentação.

E tudo se resolve.
Mercadores de drogas e armas, entretenimento e repouso,
Contemplam o mar na paz das avenidas
Distantes de morro, fome, morte, perdão.
Mercadores de ações e inação,
Caos exportado, favelas, alamedas
Onde eu passeio assoviando uma canção.

Filho de vida curta e breve,
Beija o teu fuzil,
Embala o teu morteiro,
Explode em contramão,
Seja esse teu descanso, teu descaso, teu destino,
Não fazes sentido, não tens sentido, não tens sentidos,
Não tens propósito nem destinação.
Quando não houver tu mesmo,
Serás puro como não foste em criança
Comporás um soneto no gesto interrompido
Do teu corpo liquefeito no ar sangüíneo da explosão.
Dormirás com o braço em ângulo sob a fronte,
E a luz já não te cegará os olhos sãos.
Sonharás enfim teu sono de menino.
"Dorme, pequenino, dorme."

Recife, 03 de maio de 2007.

sexta-feira, abril 20, 2007

As Pregas de Odete

De Marcos Artur Gonçalves

Prenderam Odete. Todos nós, putariadores por hábitos ou vocação de Recife, ficamos consternados. A cafetina-mor de nossa metrópole, provedora das necessidades mais básicas da fronteira entre o espírito e o corpo, foi arrestada lá longe, em terras distantes, nos confins do Rio Grande do Sul, numa tal Gravataí. Acusaram Odete de traficar escravas sexuais através do Brasil. Os jornais diários, toda a mídia escrita, falada e televisada, todos os marmanjos em todos os botecos, acompanham em suspense os desdobramentos da sua desventura.
Odete cresceu ainda mais no meu imaginário. Eu, que nunca estive na sua casa. Por quê? A casa de Odete na minha imaginação é o proto-bordel, uma mansão de estilo colonial, de moças de todas as cores, que falam todas as línguas e nos fazem gozar em infinitas dimensões. Uma construção de tijolos e luxúria e desejo, com araras azuis nos corrimãos das escadarias e serpentes dóceis enroscadas nas pesadas cortinas de veludo, um lupanar de sonho onde fregueses incautos apaixonam-se perdidamente e perdem até os anéis dos dedos por suas putas inatingíveis. Um estabelecimento de repouso e de loucura, saído de um romance de Jorge Amado, de um conto de Gabriel Garcia Márquez.
Na casa de Odete há de haver uma morena sertaneja chamada Dalila, com olhos verdes marinhos, cabelos revoltos como mar bravio e uma tatuagem de coração flechado na curva do seio esquerdo. Haverá uma russa loira chamada Sonia que foi abandonada no porto por um amante traficante de aves, e que geme enquanto monta sobre a gente com os olhos fechados. Haverá uma negra antilhana chamada Teresa que grita palavrões castelhanos com as unhas cravadas em nosso peito quando naufraga nas tormentas do mar dos orgasmos múltiplos. Haverá um quintal com balanços em forma de cestos onde as infantas nuas flutuam naturalmente entre papagaios e gaiolas de pássaros da terra, e onde se esconde o túmulo secreto de um poeta que se suicidou num quarto, muitos anos atrás, de volúpia e rejeição. Prefiro não ir à casa de Odete porque, se ela não é assim como descrevi em concreto e telhas, continuará sendo assim na minha imaginação.
Quando eu era criança ouvia as pessoas da família de minha mãe, vindos da Paraíba nos idos de 1960, falarem às vezes, “Fulano só quer ser as pregas de Odete”. Queriam dizer com isso que a pessoa era pretensiosa, imaginava-se bem acima do que era na realidade, tanto em termos materiais como morais. Ou seja, ser as pregas de Odete era ser muita coisa, não era pra qualquer um. Quando cresci e ouvi falar dessa outra Odete, imaginei se haveria relação com aquela do dito popular. Consultei minha mãe, e ela disse não achar possível, porque na Paraíba as pessoas já diziam isso quando ela mesma era criança.
Seja como for, Odete foi solta após uma semana de prisão. Mesmo que ela mesma não seja as pregas de Odete, ainda terá muita autoridade. Liberada, embarcou num avião e retornou para seu estabelecimento, em Piedade. A clientela órfã, as moçoilas órfãs agradecem. E também nós, que freqüentamos meras casas de massagem chinfrins, ou não freqüentamos em absoluto, e ainda os samaritanos anônimos que recolhem jovens distraídas nas calçadas, agradecemos. Deixem Odete em paz. Passarão os anos e ela inclusive passará, mas na memória coletiva dos pernambucanos não haverá outra empreendedora, outra self-made woman como Odete.

terça-feira, março 07, 2006

E num lugar onde os mantenedores das leis corrompem seus próprios corrompedores, quem combaterá a corrupção?

De João Paulo Magalhães

Sempre que vou, ou volto, a minha pequena cidade no interior pernambucano, a grande Surubim, fico, no mínimo, constrangido, pra não dizer enraivecido, enfurecido, revoltado ou talvez pior, com o nível de corrupção a que chegaram as "instituições" e o povo brasileiro.

Acontece que, na maioria das vezes, vou de transporte alternativo, as populares toyotas, e que existem muitas barreiras policiais nos curtos 120 km de distância. Nada a se reclamar até ai não fosse o que acontecem nessas paradas, e hoje foram três. São paradas rápidas em que, por padrão, o motorista desce do carro e entrega o documento do mesmo ao policial que nem olha para ele, só o abre e tira a quantia de dinheiro previamente colocada em seu interior.

E isto acontece numa naturalidade que me assusta. Em meio as piadinhas de alguns dos passageiros quando da volta do motorista, atrevi-me a perguntar a quantia do "suborno". R$ 2,00 é valor da transação. Isso se for policial estadual, porque se for policial federal ai a tabela sobe para os R$ 5,00, porém estes não param todos os carros por pura falta de pessoal.

Notável é o nível de corrupção a que chegamos. Não existe mais somente a corrupção entre corrompedor e corrupto. Num nível mais avançado os aplicadores das leis corrompem a si e àqueles que não deveria deixar corromper.

Passei a viagem pensando sobre os acontecimentos que vinham em média a cada meia hora. Se fazem isso por tão pouco, se se vendem por migalhas, se destroem a instituição a qual pertencem, se se humilham por tal valor, o que não fariam por uns bons trocados? Mas quem sou eu pra julgar os atos, e talvez necessidades, daqueles que se prostituem na beira das estradas brasileiras tal qual a puta logo ao lado? 'Melhor pedir que roubar', já dizia o sábio menino da mesma estrada tentando abusar da minha ingênua, porém nunca maleável, solidariedade.

E nesse meio onde se confundem policiais rodoviários, crianças miseráveis pedindo esmolas e mulheres vendendo seu corpo não distingo mais quem são as prostitutas da história, algum(ns) deles ou nós, que podemos até não vender nosso corpo mas o que dizer da nossa consciência, da nossa forma de organização social, dos nossos meios e, principalmente, do nosso fim???