As Pregas de Odete
De Marcos Artur Gonçalves
Prenderam Odete. Todos nós, putariadores por hábitos ou vocação de Recife, ficamos consternados. A cafetina-mor de nossa metrópole, provedora das necessidades mais básicas da fronteira entre o espírito e o corpo, foi arrestada lá longe, em terras distantes, nos confins do Rio Grande do Sul, numa tal Gravataí. Acusaram Odete de traficar escravas sexuais através do Brasil. Os jornais diários, toda a mídia escrita, falada e televisada, todos os marmanjos em todos os botecos, acompanham em suspense os desdobramentos da sua desventura.
Odete cresceu ainda mais no meu imaginário. Eu, que nunca estive na sua casa. Por quê? A casa de Odete na minha imaginação é o proto-bordel, uma mansão de estilo colonial, de moças de todas as cores, que falam todas as línguas e nos fazem gozar em infinitas dimensões. Uma construção de tijolos e luxúria e desejo, com araras azuis nos corrimãos das escadarias e serpentes dóceis enroscadas nas pesadas cortinas de veludo, um lupanar de sonho onde fregueses incautos apaixonam-se perdidamente e perdem até os anéis dos dedos por suas putas inatingíveis. Um estabelecimento de repouso e de loucura, saído de um romance de Jorge Amado, de um conto de Gabriel Garcia Márquez.
Na casa de Odete há de haver uma morena sertaneja chamada Dalila, com olhos verdes marinhos, cabelos revoltos como mar bravio e uma tatuagem de coração flechado na curva do seio esquerdo. Haverá uma russa loira chamada Sonia que foi abandonada no porto por um amante traficante de aves, e que geme enquanto monta sobre a gente com os olhos fechados. Haverá uma negra antilhana chamada Teresa que grita palavrões castelhanos com as unhas cravadas em nosso peito quando naufraga nas tormentas do mar dos orgasmos múltiplos. Haverá um quintal com balanços em forma de cestos onde as infantas nuas flutuam naturalmente entre papagaios e gaiolas de pássaros da terra, e onde se esconde o túmulo secreto de um poeta que se suicidou num quarto, muitos anos atrás, de volúpia e rejeição. Prefiro não ir à casa de Odete porque, se ela não é assim como descrevi em concreto e telhas, continuará sendo assim na minha imaginação.
Quando eu era criança ouvia as pessoas da família de minha mãe, vindos da Paraíba nos idos de 1960, falarem às vezes, “Fulano só quer ser as pregas de Odete”. Queriam dizer com isso que a pessoa era pretensiosa, imaginava-se bem acima do que era na realidade, tanto em termos materiais como morais. Ou seja, ser as pregas de Odete era ser muita coisa, não era pra qualquer um. Quando cresci e ouvi falar dessa outra Odete, imaginei se haveria relação com aquela do dito popular. Consultei minha mãe, e ela disse não achar possível, porque na Paraíba as pessoas já diziam isso quando ela mesma era criança.
Seja como for, Odete foi solta após uma semana de prisão. Mesmo que ela mesma não seja as pregas de Odete, ainda terá muita autoridade. Liberada, embarcou num avião e retornou para seu estabelecimento, em Piedade. A clientela órfã, as moçoilas órfãs agradecem. E também nós, que freqüentamos meras casas de massagem chinfrins, ou não freqüentamos em absoluto, e ainda os samaritanos anônimos que recolhem jovens distraídas nas calçadas, agradecemos. Deixem Odete em paz. Passarão os anos e ela inclusive passará, mas na memória coletiva dos pernambucanos não haverá outra empreendedora, outra self-made woman como Odete.
4 Comments:
Esse texto de Mc Artur é a Prega de Odete.
Fred Braga
20 abril, 2007 18:09
Eu saí atrás da origem do termo "As pregas de Odete". E descobri que tem muita gente procurando :DDD. Nao achei, mas o dicionário pernambuquês (http://cabana.t35.com/Turismo/Pernambuco/dicionar.htm) define o termo de forma interessante:
"pregas de Odete - acima do supra sumo do cú do pato".
Julio Filho
01 maio, 2007 16:38
Artur, texto é lindo! de verdade eu me emocionei com sua plavaras.
Plinojavascript:void(0)
Publicar comentário
03 maio, 2007 16:48
Trabalhei no começo dos anos 2000 na casa de Odete. Uma primeira vez morei no local e na segunda morava em um flat em Boa Viagem e frequentava o famigerado estabelecimento à noite. A casa era uma mansão. Tinha quadra de tênis e um estacionamento e psicina enormes. A casa das meninas era isolada e assim podíamos dormir até altas horas da tarde sem sermos incomodadas. As meninas eram todas lindas e de todos os lugares. Ela sempre me tratou muito bem e sempre tratava os empregados muito bem tb. Ela era muito educada e fina. Lembro que a gente assistia a novela o clone e depois íamos trabalhar até as duas da manhã. Sai da vida, virei empresária, casei e tive filhos mas nunca esqueci esses anos loucos.
17 agosto, 2024 00:13
Postar um comentário
<< Home